CONDENAÇÃO DE TRABALHADOR EM GOAIS POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ: um atentado ao amplo acesso à Justiça e à própria razão de ser do Direito do Trabalho
Nos últimos dias, vem sendo divulgados nas redes sociais, em especial no WhatsApp, uma sentença proferida por uma Vara do Trabalho do interior de Goiás, (clique aqui e visualise a sentença), onde o Judiciário Trabalhista condena um trabalhador a pagamento de R$114.000,00 entre custas processuais e multa pro litigância de má-fé. Equivocadamente e, também, de modo propagandístico, o caso vem sendo divulgado como de aplicação dos novos regramentos processuais inseridos da CLT, por força do golpe nos direitos dos trabalhadores, consubstanciados pelo o que o governo Temer (e seus deputados e senadores), chamou de Reforma Trabalhista.
Não, essa sentença não aplicou os mecanismos da tal reforma, ainda que acredito que o juiz por ela responsável, deve ter se lamentado por isso. Se a "nova CLT" houvesse sido aplicada, a condenação imposta ao trabalhador já extremamente cruel e exagerada, seria aumentada em até mais R$570.000,00 (quinhentos e setenta mil reais), por honorários advocatícios sucumbenciais em favor dos advogados das empresas reclamadas.
Neste caso, valendo-se de uma aplicação abusiva das normas do CPC, o que houve foi a aplicação de pena de litigância de má-fé, no valor de R$38.000,00 (trinta e oito mil reais), mas sem qualquer dosimetria, tornando-a uma pena cruel, já que seu pagamento significará lançar em desgraça a vida de um trabalhador que socorreu-se ao Judiciário, o que lhe é assegurado pela Constituição Federal, para que este esclarecesse se ele tinha ou não o direito que ele acreditava ter.
Não se deve esquecer que no art. 1º, III, da CF/88, está escrito, com todas as palavras, que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana. Em seguida, o art. 5º, III, veda a prática de tratamento desumano e degradante e, finalmente, a alínea E do inciso XLVII deste mesmo artigo constitucional bane a aplicação de penas cruéis entre nós.
Antes de continuar, mais uma observação. Li alguns questionamentos sobre o valor dado a causa pelo advogado que assiste ao trabalhador penalizado, nos grupos de Whatts do qual faço parte, R$3.800.000,00 (três milhões e oitocentos mil reais). Ora, se antes da reforma da CLT já se fazia necessário que o valor da causa guardasse relação com os pedidos formulados na ação, agora, com a reforma trabalhista, que determina que todos os pedidos sejam liquidados (apurados previamente, o que explico para os não advogados que tiverem acesso a este texto) não se pode questionar esse valor, pois o advogado é obrigado a liquidar todo e qualquer pedido que conste de seu processo.
Mas, voltando à sentença, acredito eu, que, considerando o valor da causa, o juiz que a prolatou (que a deu), poderia ter aplicado em valores financeiros infinitamente mais próximo da realidade e que não viesse a desgraçar a vida do trabalhador e de seu advogado. Ainda que a norma que ele utilizou para aplicar a multo, o artigo 81 do CPC, estabelecer que ela seja superior a 1% do valor da causa, ele poderia, de oficio, ter reduzido o valor desta (o valor da causa) e aplicado uma pena que não tivesse a crueldade de impor o trabalhador penalizado em ruina.
Além disso, importante destacar que, além de aplicar pena de litigância de má-fé e em decorrência desta, o magistrado sentenciante negou ao trabalhador os benefícios da Justiça Gratuita, sob o argumento de a União não pode patrocinar atos ilícitos e por consequência o condenou ao pagamento de mais de R$76.000,00 (setenta e seis mil reais).
Ocorre que os institutos da justiça gratuita e da litigância de má-fé não são incompatíveis, como parece acreditar o juiz sentenciante. Negar a Justiça Gratuita para o trabalhador já penalizado pela litigância de má-fé, é punir duas vezes o mesmo fato, o que é proibido, como bem sabe os operadores de direito que lê este meu pequeno texto.
Assim, se comprovado o estado que o trabalhador é legalmente pobre, o que se faz por declaração, nos termos dos artigos 4º da Lei nº 1060/50 e 790, § 3º, da CLT, ele tem direito aos benefícios da justiça gratuita, não constituindo proibição para usufruí-los o fato de ter sido declarado litigante de má-fé, situação que contém punição específica legalmente prevista, devendo ser interpretada de forma restritiva,
Ora, enquanto a litigância de má-fé caracteriza-se pela penalidade aplicada à parte que atua e age de forma desleal no processo, a justiça gratuita visa resguardar o direito fundamental de acesso à justiça (Art. 5º, XXXV, da CF)
Encerro este texto destacando que decisões como a que aqui comentei, deve ser refutada por todos operadores de direito, pois ela traz em si o mesmo espírito contido nas artimanhas processuais da Reforma Trabalhista, que é meter terror nos trabalhadores e seus advogados e com isso diminuir as ações trabalhistas, quando estas deveriam diminuir com ações governamentais que obrigassem os empregadores a respeitar as normas trabalhistas. A sentença proferida no processo RTOrd - 0011563-28.2015.5.18.0102 é um atentado ao amplo acesso à Justiça e à própria razão de ser do Direito do Trabalho.
foto Adriano Espíndola Cavalheiro
Parabéns Dr. Adriano. O sr sempre lúcido nos seus artigos . Infelizmente é isso que podemos esperar do Judiciário com essa malfadada reforma trabalhista. Gde Abraço.
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