Era uma manha relativamente fria, com uma ventania, a mesma que vi pela manhã de hoje, que nos causava certo estranhamento. Tempos difíceis, final da ditadura militar, com o país mergulhado numa crise econômica e social, as quais fizeram virar pó o poder dos gorilas que, vinte anos antes, haviam tomado de assalto o poder do país. Mas, a crise econômica era tamanha, que meus pais se viram obrigados, nadando contra a maré do senso comum, a migrarem de uma das maiores cidades do mundo, para uma pequena cidade do interior, Uberaba, na qual meu pai havia aberto uma filial de um escritório de cobranças, que pouco tempo antes tinha constituído em São Paulo. Veio pra cá, pois aqui o custo de vida era infinitamente menor.
Foi assim que os filhos de Walter e Luzinete, Soraia, Érick e Adriano, junto com seus pais, numa manhã de São João, 24 de junho de 1984, chegaram a Uberaba.
Para além da ventania e a consequente poeira do então jovem conjunto Alfredo Freire (o bairro havia sido construído apenas há três anos), logo as dificuldades de Uberaba foram se revelando e se tornando intensas. Éramos (???) uma cidade dirigida por um dos setores mais atrasados e reacionários da sociedade, o latifúndio, atualmente chamado de Agronegócio, e que ainda hoje gosta de ostentar o arcaico título de capital mundial do gado zebu. Por ser dirigida econômica e politicamente por latifundiários, Uberaba desenvolveu-se como uma cidade excludente e conservadora, onde zebuzeiros dispensam melhor tratamento ao seu gado de elite do que ao seu povo pobre (quem acha que eu exagero, veja o que se faz na ABCZ para o gado e a situação, por exemplo, da saúde do município).
E foi neste contexto que o tempo passou. Seu Walter e Dona Luzinete muito trabalharam e se esforçaram para criar e apoiar aos filhos em seus estudos, filhos que souberam aproveitar as poucas oportunidades que a vida os deu por aqui. Se a cidade exclui aos pobres, aproveitando as pequenas brechas do sistema, fruto do desgaste da elite conservadora e do inevitável crescimento da cidade, Soraia, Erick e Adriano optaram por ensinar, defender e ajudar organizar a vida do povo, formaram-se professora, administrador (hoje quase advogado) e advogado, respectivamente.
É obvio que as coisas não foram e não são qualquer mar de rosas. Foram muitas dificuldades, as quais, em grande parte, foram e são superadas devido ao fato de que mais filhos de trabalhadores, ou seja, novos trabalhadores, nas suas duras batalhas diárias apreenderam e apreendem (pois o processo é dinâmico) que o real perfil da cidade é dado por eles e por suas lutas contra as injustiças e não por velhos zebuzeiros, filhos dos coronéis que fundaram nossa cidade, numa região onde os indígenas foram praticamente por eles extintos. Uberaba, já faz alguns anos, começou a romper com seu passado zebuzeiro, ainda que os ruralistas ainda teimam em dar as cartas por aqui, como vimos com a ascensão da canacultura. Pode-se dizer que hoje uma nova Uberaba existe, menos preconceituosa, menos conservadora, mais humana, mais progressista. Uma Uberaba que temos orgulho de viver e construir.
Trinta e três anos se passaram, anos de glórias, anos de lutas, um tempo que somou aos Espindola Cavalheiro, os Fausto, os Rodrigues Carreiros, Pedro, Pedrinho, Pablo, Yasmim, Rafael, Jorge e minha amada Rita, além de inúmeros amigos e companheiros que fazem parte de nossas vidas, de nossa luta por um futuro melhor.
A todos vocês, em nome de minha família, que de Espíndola Soares Cavalheiro, se tornou Espindola Soares Cavalheiro Fausto Rodrigues Carreiro, nosso muito obrigado.
AMAMOS TODOS VOCÊS.
Adriano Espíndola Cavalheiro – cidadão, de fato,uberabense.
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